Para uma leitura da arte de Paula Rêgo

O que é mais marcante da obra de Paula Rêgo (Lisboa, 1935) é o seu ser alheia à arte contemporânea e aos movimentos actuais (nomeadamente o movimento modernista), nos quais, contudo, boa parte da crítica a inclui.
Trata-se, possivelmente, da enorme importância que o desenho “realista” tem para a artista: os traços dela inserem-se numa poética de naturalismo expressionista – mas um realismo que sempre se origina da observação do verdadeiro. (Declara a própria Paula Rêgo: «É tudo copiado à vista». E, com humildade ou ironia, acrescenta: «Aprender a desenhar é muito importante. Eu também não sei muito bem, mas estou a aprender».)
Os temas tratados pela pintora fazem ressaltar uma visão escandalosa da sexualidade e da morte –  assuntos que, com certeza, não são novos nem produzem uma ruptura totalmente original. È provável, porém, que tenhamos de relevar um outro elemento das representações por Paula Rêgo: a ausência de normalidade, ou melhor, a normalidade que é a exploração, a análise do limite extremo da personalidade femenina – que, o mais das vezes, coincide com um estudo psicológico (ou até quase anatómico) da solidão da mulher. A mulher quase sempre é representada consigo própria, imersa no abismo do tédio (veja-se, por exemplo, Lush) – que é também o momento em que qualquer crise, qualquer delírio, qualquer abandono pode acontecer.
A de Paula Rêgo é, no fundo, a cristalização do instantâneo: do tempo – quotidianamente grotesco, hórrido ou cruel, ou apenas banal – em que bailarinas, meninas (As Meninas, obra conjunta com a escritora Agustina Bessa Luís – 2001), loucas, ou simplesmente mulheres adormecidas, contam as suas histórias. Histórias sempre impiedosas – como é sem piedade, inelutavilmente, qualquer destino humano.


Bem se compreende, portanto, como a artista portuguesa (mas também inglesa – pois foi viver para Londres em 1951, e aí tem continuado os seus estudos) se ponha muito às margens do chamado mainstream da arte contemporânea, marcado pela perda de significado, e, ao contrário, se reinsira na linha da grande tradição figurativa europeia e expressionista (com fortes referências à pintura da República de Weimar).
Enfim, talvez a mensagem principal da pintora seja o do seu quadro “kafkiano” Metamorphosis, em que as pernas abertas do homem-Gregor Samsa deitado e nu (pernas iguais às de uma mulher que está a parir) comunicam-nos a imensa dor de toda a mudança – exactamente de toda a metamórfose – que é implícita em cada vivência humana.
Stefano Valente

3 commenti:

  1. all Paula Rego's fans...

    www.facebook.com/paulafigueiroarego

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  2. Parabéns Stefano, eu não conhecia esse site. Paula Rego, na minha opinião, mostra claramente a psicologia profunda do tipo de relação na sociedade lusitana.

    Abraços

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  3. Olá, Sergio. Obrigado por visitares o site. O espaço está aberto a qualquer contribuição. O teu ponto de vista sobre as relações na sociedade portuguesa intriga-me muito, e mereceria, sem dúvida, um desenvolvimento...
    Até breve, abraço

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